Anticristo, uma história


Estaremos, porventura, mal habituados. O cinema não é suposto ser fácil. Sendo considerado a 7a arte, deve como tal, chocar, provocar e obrigar-nos a uma reflexão sem preconceitos sobre aquilo que propõe.

Anticristo é um filme desses.

Comecemos pelo início: antes de mais, covém lembrar, que a nível técnico é um filme perfeito. Von Trier sabe usar uma máquina de filmar e prova-o praticamente a cada plano. Tudo é pensado e estecticamente comporta um propósito narrativo e simbólico indissociável da história que conta.

O ponto central é mesmo esse: uma história que se conta. Anticristo é uma história que o realizador optou contar sem conseções. Daí a força de certas cenas mais limite, da crueza com que são filmadas e mostradas na tela. Mas se pensarmos bem, nenhuma delas é descabida e fazem parte da "verdade" do filme. A tragédia que é contada não pode fugir à violência de certas imagens, sobretudo porque a violência maior passa-se dentro daquela mulher quebrada. Os sintomas ninfomaníacos, de culpa, da rejeição do filho, das paranóias, são retratados na perfeição por Charlote Gainsbourg, cujo desempenho é enorme e de grande coragem. Dafoe não lhe fica atrás, e usa o rosto, a voz e o corpo na perfeição, para transmitir, ao mesmo tempo, um homem inconscientemente orgulhoso, um marido preocupadamente assustado e, a partir de uma certa altura, perdido.

A violência silenciosa e quase poética do início, escala até à explosão visual e física do final. No fim é tudo uma questão de sobrevivência, ela assombrada pela culpa e por uma manifestação maléfica da sua natureza e ele pela agressão de que é vítima, ambos mergulhados num desespero sem limites.

Como disse no início, o cinema não é suposto ser fácil, nem descartável, ou pelo menos, um certo tipo de cinema. E como qualquer obra mais complexa, apesar de valer por si, não perde nada (só ganha) se for acompanhada de outras "leituras". Aconselho a lerem a entrevista dos actores e do realizador, bem como certas críticas ao filme.

Não se trata de gostar ou não gostar (Picasso, Mozart, Saramago, Maradona, etc), trata-se de dar o valor que a obra merece, e Anticristo é um grande filme.
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1 comentário:

MAR disse...

Acredito que seja um grande filme... Não vou ver porque não é o tipo de filme que me leve ao cinema mas isso tem a minha relação com o cinema...